Carta Encíclica Quod Apostolici Muneris de Papa Leão XIII de 1878

QUOD APOSTOLICI MUNERIS

LEÃO PP. XIII, Carta encíclica Quod apostolici muneris.

Aos veneráveis irmãos Patriarcas, Primazes, Arcebispos e Bispos e a todos os Ordinários de lugar em paz e comunhão com a Sé Apostólica. Condena os erros do socialismo, comunismo e niilismo: todos obstaculizam a autoridade, agridem o matrimônio e a família, combatem o direito à propriedade privada, 28 de dezembro de 1878.

  1. Veneráveis irmãos, já desde o início do nosso pontificado, assinalávamos, com carta encíclica a vós dirigida, conforme o pedia a natureza do nosso ministério apostólico, a pestilência mortal que serpenteia pelas vísceras íntimas da sociedade e a leva ao perigo extremo de ruína. Ao mesmo tempo, indicávamos os remédios mais eficazes para reconduzi-la à saúde e livrá-las dos gravíssimos perigos que a ameaçam. Aconteceu porém que, num breve espaço de tempo, os males que então deplorávamos, cresceram de tal forma, que nos sentimos obrigados a vos dirigir novamente a palavra, como se ecoasse aos nossos ouvidos a palavra do profeta: “Grita a plenos pulmões, não te contenhas, levanta tua voz como uma trombeta” (Is 58,1). Sem dificuldade, entendeis, veneráveis irmãos, que falamos da seita dos que com nomes bárbaros e diversos, se chamam “socialistas”, “comunistas” ou “niilistas”; e que, espalhados por todo o mundo e ligados entre si por vínculos de conspiração iníqua, já não procuram a impunidade nas trevas de conventículos ocultos, mas saindo aberta e insolentemente para a luz do dia, se esforçam por conseguir o propósito, já concebido desde muito tempo, de sacudir o próprio fundamento do consórcio civil. Estes são os que, no dizer das Escrituras Divinas “na sua alucinação conspurcam a carne, desprezam a Autoridade e injuriam as Glórias” (Jd 8); não respeitam nada e nada deixam íntegro do que foi sapientemente estabelecido pelas leis humanas e divinas para a incolumidade e o decoro da vida. Recusam a obediência aos poderes superiores, aos quais, segundo a advertência do Apóstolo convém que esteja submetida toda alma, pois receberam de Deus o direito de mandar, recusam a obediência e pregam a igualdade de todos nos direitos e nos deveres.
  2. Desonram a união natural do homem e da mulher, respeitada como sagrada até pelos bárbaros, enfraquecem e até deixam à mercê da libido o vínculo conjugal pelo qual principalmente se mantém unida a sociedade doméstica.
  3. Tomados pelo desenfreado desejo dos bens terrenos “que é a raiz de todos os males, e por causa do qual alguns se afastam da fé” (1Tm 6,10), contestam o direito de propriedade fundado em lei de natureza, e com enorme atentado, apresentando-se como quem quer providenciar às necessidades e satisfazer os desejos de todos, permitem-se roubar e pôr em comum o que se adquiriu, ou por herança legítima ou com a obra da inteligência e das mãos, ou com a frugalidade da vida. E manifestam essas opiniões monstruosas nos seus círculos, induzem nos libelos, espalham entre o povo com numerosas publicações. Por isso é que aumentou tanto o ódio da plebe sediciosa contra a veneranda majestade e o império dos reis, tanto que traidores celerados, intolerantes de toda a autoridade, por mais vezes em breve espaço de tempo, com ousadia perversa, dirigiram armas contra os próprios soberanos.
  4. Esta audácia dos ímpios que ameaçam o consórcio humano com ruínas cada dia mais graves e mantêm os ânimos de todos em cuidadosa trepidação originam-se daquelas doutrinas venenosas que, espalhando-se entre os povos, nos tempos passados, como sementes infectadas, produziram frutos tão amargos. Com efeito, veneráveis irmãos, sabeis que a guerra implacável movida pelos inovadores contra a fé católica, desde o séc. XVI, e que foi sempre crescendo até nossos dias, tem como finalidade, eliminada toda revelação e subvertida toda ordem sobrenatural, abrir a porta às descobertas, ou mais propriamente, aos delírios da razão abandonada a si mesma. Este erro, que, sem razão, tira seu nome da razão, como aquele que lisonjeia e torna mais viva a inata cobiça de exceler e afrouxar o freio a toda espécie de avidez, não somente introduziu-se sem dificuldade na mente de muitíssimos, mas chegou a penetrar amplamente na sociedade civil. Por isso, com nova impiedade, nem mesmo conhecida dos próprios pagãos, constituíram-se estados sem nenhuma referência a Deus à ordem por Ele estabelecida: foi-se dizendo que a autoridade pública não recebe de Deus nem o princípio , nem a majestade, nem a força de mandar, mas antes da multidão; e ela, julgando-se livre de toda Lei Divina, tolera de estar somente submetida àquelas coisas que ela tenha estabelecido a seu bel-prazer.
  5. Combatidas e rejeitadas as verdades sobrenaturais da fé como inimigas da razão, obriga-se o próprio Autor e Redentor do gênero humano a sair insensivelmente, pouco a pouco, das universidades, dos liceus e dos ginásios e de todo costume público da vida.
  6. E, finalmente, deixados no esquecimento os prêmios e as penas da futura vida eterna, o ardente desejo de felicidade foi estreitado entre os apertados confins do presente.
  7. Com essas doutrinas disseminadas em todas as direções, e com tal e tão desenfreada licença de opinar sobre tudo e de agir, não há de se admirar que os plebeus, cansados de suas pobres casas e das oficinas, desejem ardentemente lançar-se sobre os palácios e as fortunas dos mais ricos; não há de se admirar que, sacudidas, vacilem toda autoridade pública e toda tranquilidade privada e que a humanidade tenha quase chegado à sua ruína extrema.
  8. Mas os pastores supremos da Igreja, aos quais cabe o dever de defender das insídias inimigas o rebanho do Senhor, empenharam-se totalmente em prevenir cedo o perigo e providenciar para a salvação eterna dos fiéis. Com efeito, ao se formarem primeiramente as sociedades secretas, nas quais já desde então aninhavam os germes dos erros que lembramos, os pontífices romanos Clemente XII e Bento XIV não deixaram de manifestar os ímpios desígnios das seitas e de advertir os fiéis do universo todo sobre as ruínas que se preparavam nas trevas. E quando aqueles que se gabavam do nome de filósofos quiseram conceder ao homem uma liberdade desenfreada, e se iniciou a delirar sobre um direito novo e estabelecê-lo contra toda Lei Natural e Divina, o Papa Pio VI, de feliz memória, mostrou imediatamente com documentos públicos a índole maldosa e a falácia daqueles princípios, e, ao mesmo tempo, com previsão apostólica vaticinou as ruínas em que cairia o povo miseravelmente enganado.
  9. Porém, como de nenhuma forma se providenciou para que não fossem instiladas, cada vez mais, nas mentes dos povos aquelas teorias funestas e não se transformassem em princípios de governo publicamente aceitos, Pio VII e Leão XII lançaram o anátema contra as seitas secretas e admoestaram novamente a sociedade sobre os perigos que por obra daquelas, a ameaçavam.
  10. Finalmente, todos sabem como o nosso glorioso predecessor, o Papa Pio IX, de feliz memória, tenha combatido, com quais gravíssimas palavras e quanta grandeza de ânimo e constância, quer nas suas alocuções, quer com suas cartas enviadas a todos os bispos do mundo, contra os esforços iníquos das seitas e especialmente contra a peste do socialismo que, originado delas, já desde então ia se espalhando.
  11. Mas é de se lamentar que aqueles aos quais foi confiada a tarefa de promover as vantagens comuns, ludibriados pelos artifícios de homens pérfidos e amedrontados pelas suas ameaças, sempre foram suspeitosos da Igreja e a contrariaram por não entenderem que os esforços das seitas teriam sido em vão se a doutrina da Igreja Católica e a autoridade dos Pontífices Romanos fosse sempre tida na devida honra pelos príncipes e pelos povos. Com efeito “a igreja do Deus vivo, que é coluna e fundamento de verdade” (1Tm 3,15), ensina doutrinas e impõe preceitos que providenciam largamente ao bem-estar e à vida tranquila da sociedade e por meio deles é arrancado desde as raízes o infausto germe do socialismo.
  12. E ainda que os socialistas, abusando do próprio Evangelho, para melhor enganar os incautos, tenham o hábito de forçá-lo a seus pensamentos, contudo, tanta é a discrepância de suas opiniões perversas com a Doutrina Puríssima de Cristo, que não se pode pensar maior; “Que afinidade pode haver entre justiça e a impiedade? Que comunhão pode haver entre luz e as trevas?” (2Cor 6,14). Estes, porém, não cessam de tagarelar que todos os homens são iguais entre si, por natureza e, portanto,  sustentam que aos superiores não se devem prestar honras, nem reverências, nem obedecer a não ser talvez, àquelas leis, que fossem feitas por eles, por seu talento.
  13. Pelo contrário, segundo o ensinamento do Evangelho, todos os homens são iguais por terem a mesma natureza, por serem chamados à altíssima dignidade de filhos de Deus; e que, tendo todos o mesmo fim a conseguir, serão julgados segundo a mesma lei, para receber o prêmio ou o castigo que mereceram. Contudo, a igualdade de direitos e de poderes deriva do mesmo Autor da natureza, “de quem toma o nome toda família no céu e na terra” (Ef 3,15). Além disso, os ânimos dos príncipes e dos súditos, pela doutrina e pelos preceitos da Igreja Católica, estão de tal forma ligados por via de recíprocos deveres e direitos que temperam o desregramento do mandar e torna fácil, constante e nobre o motivo de submissão.
  14. Para bem da verdade: a Igreja inculca sempre aos súditos o preceito do Apóstolo: “Não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram estabelecidas por Deus. De modo que aqueles que se revolta contra a autoridade, opõe-se à ordem estabelecida por Deus. E os que se opõem atrairão sobre si condenação.” (Rm 13, 1-2). E logo acrescenta: “Por isso é necessário submeter-se não somente por temor do castigo, mas também por dever de consciência… Dai a cada um o que lhe é devido: o imposto a quem é devido; a taxa a quem é devida; a reverência a quem é devida; a honra a quem é devida” (Rm 13, 5-7). Na verdade aquele que criou e governa todas as coisas, na sua sabedoria providente, dispôs que as coisas mais baixas através das médias e as médias através das mais altas cheguem cada uma a seu fim. Portanto, da mesma forma que, no mesmo reino celeste, quis que houvesse coros de anjos distintos entre si, e uns submetidos a outros, assim também estabeleceu na Igreja vários graus de ordens e uma multidão de ministérios, onde nem todos fossem apóstolos, nem todos pastores, nem todos doutores (cf. 1 Cor 12, 28-29); assim também dispôs que na sociedade civil houvesse várias ordens distintas por dignidade, direitos e poder, pelo que, a cidade, da mesma forma que a Igreja, fosse a imagem de um corpo que tem muitos membros, uns mais nobres que os outros, mas ao mesmo tempo reciprocamente necessários e solícitos do bem comum.
  15. Ao mesmo tempo, porém, para que os moderadores dos povos usem o poder a eles concedido para a edificação e não para a destruição, a Igreja de Cristo relembra oportunamente que também está acima dos príncipes a severidade do Juiz supremo, e usando as palavras da Sabedoria Divina exclama para todos, no nome de Deus: “Prestai atenção, vós que dominais a multidão e vos orgulhais das multidões dos povos! O domínio vos vem do Senhor, e o poder do Altíssimo que examinará vossas obras, perscrutará vossos desejos… Um julgamento implacável se exerce contra os altamente colocados.  Pois o Senhor do universo a ninguém teme. Não deixe se deixa impressionar pela grandeza; pequenos e grandes, foi ele quem fez, e por todos se preocupa por igual; mas aos poderosos reserva um julgamento severo” (Sb 6, 3-4. 6-8). Contudo, se as vezes acontece que o poder público é exercido temerariamente e além medida, a Doutrina Católica não permite aos súditos levantar-se a seu talante contra eles, para que não derive, com isso, um mal maior para a sociedade. E quando as coisas tiverem chegado a tal ponto que não haja mais nenhuma esperança de salvação, quer que se apresse o remédio com os merecimentos da paciência cristã e com insistentes orações ao Senhor.
  16. Se, porém, a vontade dos legisladores e dos príncipes decretar ou mandar algo contrário à Lei Natural ou Divina, então a dignidade e o dever do nome Cristão, e a Sentença Apostólica exigem “que se deve obedecer antes a Deus do que aos homens” (At 5, 29).
  17. Esta benéfica virtude da Igreja, que influi no ordenadíssimo regime e na conservação da sociedade civil, é necessariamente sentida e experimentada também pela sociedade doméstica, que é o princípio de toda cidade e de todo reino. Com certeza, bem sabeis, veneráveis irmãos, que esta sociedade, segundo a exigência do direito natural, funda-se principalmente sobre a união indissolúvel do homem e da mulher e tem seu cumprimento nos mútuos deveres e direitos entre pais e filhos, entre donos e servos. Também sabeis que por causa das doutrinas socialistas falta pouco que se dissolva; com efeito, perdida a estabilidade que lhe vem do matrimônio cristão, é inevitável que também venha a enfraquecer-se de maneira extraordinária a autoridade dos pais sobre os filhos, e a reverência dos filhos para com os pais. Pelo contrário a Igreja, ensina que o matrimônio, “digno de ser honrado em tudo”, (Hb 13, 4), instituído por Deus desde o princípio do mundo para propagar e conservar a espécie humana e que Ele quis indissolúvel, subiu para uma condição mais estável ainda e Santa por Obra de Cristo que lhe conferiu a dignidade de Sacramento, e quis que reproduzisse em si a imagem da sua união com a Igreja. Portanto, segundo o ensinamento do Apóstolo (Ef 5, 23-24), como Cristo é chefe da Igreja, assim o marido é o chefe da esposa; e como a Igreja está submetida a Cristo que nutre para com Ela um amor castíssimo e eterno, assim convém que as esposas estejam submetidas a seus maridos, os quais, por sua vez, devem-nas amar com afeição fiel e constante.
  18. A Igreja modera também o poder dos pais e dos senhores de tal forma que sem ultrapassar a medida justa, consegue manter dentro dos confins do respeito os filhos e os servos. De fato, dentro dos ensinamentos católicos, a autoridade do Pai e Senhor Celeste passa para os pais e os senhores, e, portanto, como essa autoridade tira dele sua origem e força, assim também participa de sua natureza e modela o seu exercício. Por isso o Apóstolo exorta os filhos “a obedecer a seus pais, no Senhor, e a honrar o pai e a mãe que é o primeiro mandamento com promessa” (Ef 6, 1-2). E, dirigindo-se aos pais acrescenta: “Não deis a vossos filhos motivo de revolta contra vós, mas criai-os na disciplina e correção do Senhor” (Ef 6, 4). E novamente, pelo mesmo Apóstolo, é inculcado aos pais e senhores o Mandamento Divino: “Servos, obedecei, com temor e tremor, em simplicidade de coração a vossos senhores nesta vida, como a Cristo. …E vós, senhores, fazei o mesmo para com eles, sem ameaças, sabendo que o Senhor deles e vosso está nos céus e que ele não faz acepção de pessoas” (Ef 6, 5-7).
  19. Se essas coisas fossem diligentemente cumpridas por todos que têm o dever, com certeza toda a família apresentaria alguma semelhança com a Morada Celeste e os eminentes benefícios que derivam não ficariam só preclusos entre os confins das paredes domésticas, mas verteriam também em vantagem dos próprios estados.
  20. Assim a sabedoria católica, baseada nos preceitos da Lei Natural e Divina, proveria à tranquilidade pública e doméstica também com as doutrinas que professa e ensina sobre o direito de propriedade e a divisão dos bens, que são destinados para as necessidades e o bem-estar da vida. Com efeito, enquanto os socialistas, apresentando o direito de propriedade como invenção humana contrária à igualdade natural dos homens e à comunhão de bens, julgam que não se deve suportar calmamente a pobreza e que se pode violar impunemente o que é substancial e os direitos dos mais ricos. A Igreja, com mais sabedoria e utilidade, também na posse dos bens reconhece desigualdade entre os homens, por forças físicas e capacidades de engenho naturalmente diversas, e quer intato e inviolável para todos o direito de propriedade e de domínio, que deriva da própria natureza. Com efeito, Ela sabe que Deus, autor e defensor de todo o direito, proibiu o furto e a rapina, tanto que nem é permitido cobiçar os bens alheios e que os homens ladrões e raptadores, assim como adúlteros e adoradores de ídolos, são excluídos do Reino dos Céus.
  21. Mas nem por isso esquece a causa dos pobres, nem, como mão piedosa deixa de providenciar às suas necessidades: e até, com amor materno, abraça-os e, sabendo perfeitamente que revestem a pessoa de Cristo que recebe como dirigido a Ele o bem feito até ao último dos pobres, os tem em grande honra, ajuda-os de toda forma possível, esforça-se  com toda boa vontade para que, em todas as partes do mundo, se levantem casas e hospitais destinados a acolhê-los, sustentá-los, sará-los, e põe aqueles asilos sob sua tutela. Além do mais, impões aos ricos, com preceito gravíssimo, de dar aos pobres o supérfluo, e os ameaça com o Juízo Divino pelo qual se não ajudarem a indigência serão punidos com suplícios eternos. Por fim fortalece e consola os ânimos dos pobres, quer apresentando o exemplo de Cristo o qual “embora fosse rico, se fez pobre para os enriquecer com sua pobreza” (2Cor 8, 9); quer repetindo aquelas palavras com as quais chama felizes os pobres e manda que esperem os prêmios da felicidade eterna.
  22. Ora, pode haver alguém que não veja como esse pode ser o modo mais belo de recompor o antigo dissídio entre pobres e ricos? Tanto isso é verdade que, como o demonstra a natureza das coisas e a evidência dos fatos, excluindo-se ou descuidando aquela maneira de reconciliação é necessário que aconteça uma das suas coisas: ou que a máxima parte da humanidade tenha que recair na torpíssima condição de escravos que esteve longamente em uso junto aos gentios, ou que a sociedade humana deva permanecer no arbítrio de revolvimentos contínuos e ser contristada por rapina e latrocínios, como deploramos ter acontecido, mesmo em tempos menos remotos.
  23. Por isso, veneráveis irmãos, nós aos quais presentemente está confiado o governo de toda a Igreja, desde os inícios do nosso pontificado, aos povos e aos príncipes sacudidos por violenta tempestade indicamos o porto, onde mais seguramente possam se refugiar; assim agora, comovidos pelo perigo extremo que encalça, levantamos novamente para eles a Voz Apostólica; em nome de sua saúde e daquela do estado, pedimos insistentemente que acolhem e escutem, como mestra, a Igreja, tão benemérita da prosperidade pública dos reinos; e a convencer-se de que as razões da religião e do império estão tão intimamente unidas, que quanto mais aquela vier decaindo, tanto mais diminui o obséquio dos súditos e a majestade do mando. Que ao reconhecer que a Igreja de Cristo possui tanta força para combater a peste do socialismo – como não podem ter nem as leis humanas, nem os constrangimentos dos magistrados, nem as armas dos soldados – concedam novamente à Igreja aquela condição de liberdade na qual possa eficazmente explicitar seus benefícios influxos em favor do consórcio humano.
  24. E vós, veneráveis irmãos, que bem conheceis a origem e a natureza das desgraças iminentes, dirigi para isto todas as forças do vosso ânimo: que a Doutrina Católica seja acolhida nos ânimos de todos e os impregne profundamente. Fazei que, desde a mais tenra idade, aprendam a amar a Deus com ternura filial e a venerar a Sua Majestade; que sejam obsequiosos à autoridade dos príncipes e das leis; e que, refreada a cobiça, guardem com desvelo a ordem estabelecida por Deus na sociedade civil e doméstica. E mais, esforçai-vos para que os filhos da Igreja Católica não se inscrevam, nem favoreçam em nada a seita detestável; e que, pelo contrário, com ações egrégias e comportamento louvável sob todos os aspectos, tornem manifesto quanto próspera e feliz seria a sociedade se todos os seus membros se enfeitassem com o esplendor de obras virtuosas e santas.
  25. Por fim, como os seguidores do socialismo são procurados especialmente entre operários e artesãos, os quais, aventurando-se em odiar ao trabalho, se deixam facilmente tomar pela isca das esperanças e das promessas dos bens alheios, assim se torna oportuno favorecer as sociedades artesanais e operárias, as quais, postas sob tutela da religião habituem seus sócios a ficar contentes com sua sorte e a suportar com merecimento a fadiga, e a transcorrer uma vida sempre quieta e tranquila.
  26. O Deus bondosíssimo, a quem somos chamados a atribuir o princípio e o fim de todo o bom empreendimento, acolha os nossos e os Vossos propósitos.
  27. Afinal, a própria ocorrência destes dias, em que celebramos solenemente o Natal do Senhor, nos anima com esperança de uma ajuda oportuníssima: pois, Cristo faz brilhar para nós aquela restauração salutar que, ao nascer, trouxe ao mundo corrompido e como que caído no fundo de todo o mal e nos promete aquela paz que, então, por meio dos anjos, fez anunciar aos homens. Com efeito “a mãos de Javé não é muito curta para salvar, nem o seu ouvido tão duro que não possa escutar nossas orações” (Is 59, 1). Portanto, nestes dias faustíssimos, augurando a vós, veneráveis irmãos, e aos fiéis de vossas Igrejas todo mais alegre e próspero evento, instantemente rezamos ao Dador de todo o bem, que novamente “apareça a benignidade e o amor do Salvador nosso e Deus” (Tt 3, 4) que, depois de nos ter libertado do poder do nosso inimigo implacável, nos levantou para a dignidade nobilíssima de filhos.
  28. E para que mais cedo e mais plenamente satisfaçamos o nosso desejo, levantai vós mesmos, veneráveis irmãos, junto conosco, férvidas preces ao Senhor e interponde junto a Ele o patrocínio da Bem-Aventurada Virgem Maria, imaculada desde a origem, do seu esposo São José, e dos bem-aventurados Apóstolos Pedro e Paulo em cuja intercessão depositamos a confiança maior. – Entrementes, penhor das Graças Divinas, concedemos no Senhor, com todo o afeto do coração, a vós, veneráveis irmãos, ao vosso clero e a todos os povos fiéis, a Benção Apostólica.

 

Roma, junto a São Pedro, a 28 de Dezembro de 1878, I ano do nosso pontificado.

Leão PP. XIII


Fonte: Documentos da Igreja – Documentos de Leão XVIII. Editora Paulus
vol. 12, págs 37 à 48.

 

Gioacchino Vincenzo Pecci nasceu em 1810 em Carpineto (Frosinone) e foi eleito Papa em 1878 assumindo o nome de Leão XIII. Com sua primeira encíclica Inscrutabili Dei Consilio Leão XIII indicava como objetivo do seu pontificado a reconciliação entre Igreja e cultura.
Leão XIII encorajou novas fundações de congregações religiosas entre as quais a Sociedade das Missões Africanas os Scalabrinianos os Dehonianos e os Verbitas.


 

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